terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Pedaços de um reflexo



era incapaz de olhar para o espelho
quando tudo que via era um reflexo de mentiras
- mentiras que contamos tanto a nós mesmos
que acabam se tornando quem somos um dia.
seja o cabelo cacheado que alisas
porque o que tens não é bom o suficiente
ou a faculdade que cursas
pois seus pais acharam que lhe fariam bem...
e quando esse dia chega
o reflexo se torna apenas um borrão.
- e quem quer ser só isso?

o espelho que jaz aqui, quebrado
revela meu próprio borrão:
um reflexo distorcido pelas rachaduras
que 3 segundos de ódio fizeram
e destruíram o que eu havia acostumado a ver.
havia cacos espalhados pelo chão
refletindo o vermelho de minha mão,
coberta pelo meu próprio sangue
me lembrando que 3 segundos são mais do que suficientes
para se destruir qualquer coisa
inclusive uma vida.

eles diziam que, com o tempo superaria
e um dia enxergaria
à mim mesmo, finalmente em paz.
era uma pena que não entendiam
que nem o mais belo espelho veria
aquele reflexo à dois
uma vez mais.

sábado, 8 de novembro de 2014

Mais um gole de vinho



Ali estava, sentado com seu traje à rigor. Gostava de usar ternos e fingir que era sociável. Verdade era que mal saía de casa, era um fugitivo da prisão de sua própria mente.
Naquela noite de sábado, pouco havia a se fazer se não abrir aquele vinho há muito parado no mesmo lugar da adega, esperando para ser aberto em um dia de melancolia e não poderia haver dia melhor.
Ao abrir a garrafa e ouvir o barulho do líquido bater contra o vidro fino da taça de cristal que diferença alguma fazia, percebeu que gostaria muito de encher mais uma taça, para mais uma pessoa. Maldita melancolia que o fazia querer estar na companhia de alguém. Pensou em chamar, em se humilhar por uma simples companhia na noite. Pensou até em pagar por isso, mas uma noite forrada em lembranças parecia ser melhor do que uma terminada em sexo barato. Preferiu apenas guardar a segunda taça.

Caminhou até seu sofá esbelto, tecido da melhor qualidade que, ainda sim, parecia tão desconfortável. Nada parecia bom o suficiente. Pensou naquela clássica frase que diziam: “dinheiro não compra felicidade!”, e nunca havia feito tanta razão. Havia do bom e do melhor em seu apartamento em um bairro luxuoso numa das mais belas cidades já construídas pelo homem e, mesmo assim, faltava algo. Odiou o ser humano por depender tanto de algo tão simples: companhia. Lembrou de quando era criança e diziam que nunca iria conseguir ser nada nem ninguém e quando invejava todos eles por sair tanto, por viver tanto. Trabalhou duro para ter dinheiro o suficiente para esfregar na cara de todos que diziam que ele não conseguiria, mas ninguém mais ligava para isso, nem lembrava, pois estavam ocupados demais criando seus próprios filhos. Enquanto ele havia feito a diferença, criando e financiando ONGs para tentar ser alguém de valor, no fim da noite, continuava sendo ninguém, apenas desejando ser o que ele nunca havia sido: amado.

Coitado. Havia cometido o erro de achar que ser alguém relacionava à ter dinheiro o suficiente para mudar o mundo. Ninguém ligava mais para isso. Num mundo egoísta desses, ser recebido de braços abertos por uma esposa fiel após chegar de um trabalho escravo em algum escritório já era mais que uma conquista: era uma dádiva. Coitado, entendeu isso tarde demais.

Desejou ter tido mais tempo para a família que, hoje, nem mais lembrava aonde residiam; desejou ter abraçado mais e feito mais besteiras; desejou não ter estudado tanto e ter apenas entendido que o que nos mantém vivo é a vontade de ser visto, de ser notado. Desejou tudo, mas no fim, tudo que pôde fazer foi tomar mais um gole de vinho.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Silêncio, meu amigo



silêncio, meu amigo
que bom que retornou.
senti falta de nossas conversas
e nossas risadas juntos
ou talvez fosse apenas eu,
lembro apenas do som de minha voz.
tu foste sempre quieto, no seu canto.

que bom que vieste falar comigo
sempre me considerei muito só
até tua companhia em mim se enraizar.
agradeço pelas tantas coisas que me disseste
mesmo algumas delas eu preferindo não ouvir.

na maioria das vezes, meu amigo
você sempre esteve certo:
no fim tudo que resta é você.
então, que bom que retornou.
sem ti, as coisas estavam até que um pouco estranhas
estava até me sentindo um pouco mais...
feliz.

pelo menos, agora que retornaste,
voltei a ser quem era.
juntos lutamos contra a solidão, uma vez mais,
mesmo que tenhamos que sacrificar essa faísca
de felicidade.
pelo menos, agora que retornaste
as coisas estão mais verdadeiras.
embora, pra muitos, teus tons de cinza sejam tão iguais,
para mim, meu amigo, eles são a verdadeira forma
da beleza.

silêncio, meu amigo
que bom que retornou.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Uma flor, de coração



lhe entreguei uma flor
coberta de sentimentos
enquanto lhe cobri de sorrisos
lhe encharcando de felicidade.

a ti, donzela querida, dedico esta flor
especial que seja, sem necessidade de regar
ou cuidar
pois esta flor de pétalas carinhosas
se mantém viva com o sorriso de seu rosto.

esta flor, meu amor, é o maior presente que posso lhe oferecer
nessa escada de poemas e poesias, sempre ali esteve
a especialidade de transcrever uma flor que não existe na natureza
ela existia apenas em mim.

hoje, é sua, pois tu mereces mais que eu
a flor que vivia dentro de meu coração é tua
já que por apenas por ti ela floresceu 
e se tornou algo tão belo
e tão único.

lhe entreguei a única flor
que sobreviveu no jardim do meu coração.
a flor que transcreve o que sinto por ti.
a flor que transcreve nesses poemas
o amor de quem, enfim, pôde florir.

domingo, 17 de agosto de 2014

Viva a sua vida



Vida boa, boa vida,
Vida de luta, luta de vida;
Passamos nossa vida inteira lutando
Pra ficar sofrendo, pra ficar chorando,
Pra ficar morrendo, pra ficar falando
Falando palavras sem nexo algum
Palavras vencidas, sem valor nenhum,
Palavras vazias, palavras acabadas,
Palavras frias, palavras erradas,
Palavras esguias, palavras malvadas,
Palavras da vida.

Vida tranquila, vida querida,
Vida de amor, amor de vida;
Passamos nossa vida inteira amando
Pra ficar sofrendo, pra ficar chorando,
Pra ficar morrendo, pra ficar falando,
Falando nada,
Falando que a vida foi errada,
Falando que a vida foi injusta,
É, mas a vida custa,
Custa pra passar, custa pra sofrer.
Custa pra melhorar, custa pra morrer.

Vida...
Vida vivida...
Viva a sua vida.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Segundos



Os ponteiros dos segundos vão depressa.
Um segundo atrás, eu era o amor
que mal podia ficar em pé,
procurando carinho,
procurando um lugar para ficar.
Meia hora atrás, eu era a vida
que mal conseguia tirar o sorriso do rosto,
brincando com os problemas,
brincando de viver.

Agora aqui está, aqui estou.
Esperando a alegria ou a tristeza,
a bipolariedade de um amanhã desconhecido
que quando chega, já se foi.
Só se percebe que um segundo já passou
quando um outro toma o seu lugar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Chorar



Queria chorar.
Sozinho em sua casa, decidiu não pensar em coisas ruins, nem no passado, nem no quanto desejava não ter feito as escolhas erradas. Desejou que tudo aquilo fosse um pesadelo. Mas não era.
Queria chorar.
Queria que um tsunami de lágrimas o enchesse, tirasse tudo do lugar. No momento, achava que só um desastre para o salvar de outros e, talvez, fosse verdade. Mas não conseguia chorar. Talvez sua cota de lágrimas por uma vida já tivesse sido atingida. Só ele sabia o quanto era doloroso passar os dias no trabalho só pensando em como será quando chegar em casa, ver TV, sentar no canto da cama e fingir que a vida é boa. Talvez para muitos seja, mas não para ele.
Tinha 22 anos de más experiências. Desistiu da escola, pois o deixava infeliz. Vivia dizendo a si mesmo que podia ser feliz, pois ninguém mais o fazia. Gostava de música clássica, pois não precisava de letras para demonstrar sentimentos. Fazia o que queria, mas não era o suficiente.
Com 12, já tinha visto o inferno. Pais se matando dentro de seu lar e, por muitas vezes, seu lugar era como um pombo-correio entre os dois. Uma separação difícil o fez começar a pensar no porquê das coisas serem como são. Pior coisa que poderia ter acontecido.
Aos 16, vivera suas primeiras crises amorosas e de identidade. Lutou sozinho e calado contra isso. Perdeu.
Aos 18, decidiu largar a escola e procurar um emprego para ajudar em casa, para tentar ser útil. Com uma mãe solteira, a vida não tendia a ser fácil e o stress era presente. Depois de brigas bobas, possuída pela raiva, sua mãe o julgou como um inútil. Disse coisas que jamais esqueceu. Lembrava ainda das últimas palavras: “você não tem amigos porque é insuportável.” Talvez realmente fosse.
Saíra de casa assim que teve a primeira oportunidade. Foi viver de aluguel.
Arrumou um apartamento barato na capital e ali viveu jogado seus próximos anos, com um emprego medíocre e com um salário que mal podia pagar as contas. Passava fome e dificuldades e não tinha com quem contar.
Queria chorar.
Parado em frente à uma antiga máquina de escrever que devia pertencer ao antigo dono de seu novo lar, começou a escrever. Escreveu para a mãe, pedindo perdão por não ser quem ela desejava que ele fosse. Escreveu para o pai, desejando ter tido mais paciência e mais conversas. Escreveu para a mulher que amou, dizendo que sabia que era difícil se ter uma pessoa infeliz do lado e que entendia ela deixar de amá-lo. Escreveu para os amigos que nunca teve, pedindo para que, se existissem, aparecessem logo. E escreveu para si mesmo, escrevendo:
“Sei que somos todos desesperados em busca da felicidade. Mas ela não é garantida, como dizem ser.
Eu entendo quem não entende. Quem passa do seu lado na rua e nem te vê, quem te vê, mas não lhe enxerga...
Você olha para as coisas que um dia já amou e não consegue achar significados para elas, nem diversão, muito menos amor. Às vezes não se consegue comer, dormir... Às vezes não se consegue nem viver.
Você gostaria de ser melhor. De sair e conhecer pessoas. Mas seu corpo não deixa. Algo dentro de você te impede de sequer se mover.
Você não sabe como melhorar. Só se sente infeliz, e só. Preso numa realidade que foi montada por pessoas más e felizes demais para se importar com você.
Lá fora parece claro demais para seus padrões de clareza. Escuro demais para seus padrões de escuridão. Feio demais para seus padrões de beleza. E você não consegue mudar, pois é tudo que consegue ver.
Você poderia ter tudo no mundo e, mesmo assim, se sentir que não tem nada.
Então, pra você eu digo:

Não faço milagres. Não posso fazer as palavras que o atormentam ir embora, ou que as coisas fiquem mais fáceis. Não consigo lhe fazer amar a si mesmo, ou achar a felicidade que, pra você, é praticamente inexistente.
Sei que, às vezes, o mundo lá fora fica frio demais, ou barulhento demais. Mas hey, eu tenho um apartamento legal até. Podemos nos esconder aqui. Eu vou ser o único que vai ficar aqui, com você, até estar pronto. Podemos conversar ou eu posso simplesmente ficar aqui, em silêncio. Podemos ver TV juntos, ou distantes um do outro. O que quer que precise, estarei aqui. Contanto que saiba que, quando sairmos daqui, estaremos prontos para enfrentar o mundo lá fora. Juntos.
Só lhe peço uma coisa: antes de fazer qualquer coisa, me avise.”

Enquanto escrevia, desejou que fosse real. Desejou que outro alguém tivesse entendido mais cedo, e visto que ele precisava apenas disso: palavras sinceras. Mas não era. Era apenas loucura.
E então, chorou.